EVELYN DE MORGAN

EVELYN DE MORGAN

sexta-feira, 4 de julho de 2008

HENRI BERGSON

Nossa liberdade, nos próprios movimentos pelos

quais ela se afirma, cria os hábitos nascentes que

a sufocarão se ela não se renovar por um esforço

constante: o automatismo a espreita. O pensamento

mais vivo se congelará na fórmula que o exprime.

A palavra volta-se contra a idéia. A letra mata o

espírito. E nosso mais ardente entusiasmo, quando

se exterioriza em ação, cristaliza-se às vezes tão

naturalmente em frio cálculo de interesse ou vaidade,

e um adota tão facilmente a forma do outro, que até

poderíamos confundi-los, duvidar de nossa

sinceridade, negar a bondade e o amor, se não

soubéssemos que a morte conserva ainda por

algum tempo vestígios do ser vivo.

A vida em geral é a própria mobilidade.


HENRI BERGSON

NIETZSCHE

Aquele que muito aprende esquece todos os

desejos impetuosos. O espírito é um estômago

revolto. A vida é um manancial de alegria!

Mas para quem deixa o estômago sobrecarregado

falar da tristeza, todos os mananciais estão

envenenados.

Conhecer é um prazer para quem tem uma

vontade de leão. Mas o que cansou, deixa todas

as ondas brincarem com ele. Dessa maneira agem

todos os fracos: perdem-se no caminho.

A vontade liberta, porque a liberdade é criadora.

Precisais aprender só para criar.


NIETZSCHE

NIETZSCHE

A nossa senda é para o alto: da espécie à espécie

superior; mas a razão que deprava, a razão que

diz: Tudo para mim, me assombra.

O nosso sentido alça vôo para o alto, assim o

emblema do nosso corpo é emblema de uma

elevação. Os emblemas dessas elevações são

os nomes das virtudes.

Assim, o corpo atravessa a história, lutando e

elevando-se. E o espírito que é para o corpo?

É o mensageiro das suas lutas e vitórias, o seu

companheiro e o seu eco.


NIETZSCHE

A CRIATIVIDADE

A criatividade acontece num momento de

encontro. A grandeza de uma obra, seja um

poema ou um quadro, não está no fato de

representar uma coisa observada, mas sim

de representar a visão do artista ou do poeta,

que surgiu do seu encontro com a realidade.

E o momento deste encontro não é resultado

de uma espera passiva, mas exige concentração

e receptividade. As pessoas criativas distinguem-se

pelo fato de serem capazes de viver com a ansiedade.

Elas não fogem, batem à porta do silêncio à espera

da resposta das palavras, perseguem a ausência

de sentido e a obrigam a significar. O encontro

com a realidade que se transfigura em arte requer

uma qualidade de compromisso especial e um alto

grau de paixão.


YEDRA

sexta-feira, 20 de junho de 2008

BALZAC

Que batalha horrível e incessante que a mediocridade trava

contra o homem superior. Se é um homem inovador,

passará por louco. Se tem entusiasmo, será insociável.

Se para resistir a esse batalhão de pigmeus, buscar nele

mesmo forças superiores, os seus melhores amigos

exclamarão que ele quer dominar. Enfim, em tudo que

ele for diferente, original e criativo, haverá crítica.

Suas qualidades tornar-se-ão defeitos, os defeitos

tornar-se-ão vícios e as virtudes serão crimes.


BALZAC

VINCENT VAN GOGH

... quero já dizer-te de antemão que todo mundo vai achar

que trabalho demasiado depressa. Não acredites em nada

disso. É antes a emoção, a sinceridade do sentir a natureza

que nos conduz a mão. E quando esta emoção é por vezes

tão forte que se trabalha sem se dar por isso - e quando

as pinceladas por vezes se seguem rápidas e se ligam

umas às outras como as palavras numa conversa ou

numa carta, - então não se deve esquecer que nem sempre

foi assim e que também no futuro muitos dias virão

deprimentes e sem qualquer inspiração...

Experimento uma terrível clareza em momentos em que a

natureza é tão linda. Perco a consciência de mim mesmo

e os quadros vêm como um sonho...


(Carta de Van Gogh a seu irmão Theo)

FERNANDO PESSOA

Minha Imaginação é uma cidade do Oriente.
Toda a sua composição de realidade no espaço tem a voluptuosidade
de superfície de um tapete rico e mole.
Toda a história pregressa dessa cidade voa em torno à lâmpada do
meu sonho como
uma borboleta apenas ouvida na penumbra do quarto.
Minha fantasia habita entre pompas outrora e recebeu da mão de
rainhas jóias veladas de antiguidade.
Atapetaram molezas íntimas os areais da minha inexistência, e
hábitos de penumbra,
as algas boiaram à ostensiva dos meus rios.
Fui por isso pórticos em civilizações perdidas, febres de arabescos
em frisos mortos,
enegrecidos de eternidade nos coleios das colunas partidas...
mastros apenas nos naufrágios remotos, degraus só de tronos
abatidos, véus nada velando
e como velndo sombras, fantasias erguidas do chão como
fumos de turíbulos
arremessados.
Funesto foi o meu reinado e cheia de guerras nas fronteiras
longínquas
a minha paz imperial no meu palácio.


FERNANDO PESSOA

SOBRE NIETZSCHE

Nietzsche, tão controvertido por suas idéias, talvez ainda

hoje não tenha sido devidamente compreendido. Mas

esse fato também foi previsto por ele, que nos achava tão

mal preparados, e que por isso proclamou veementemente o

surgimento do super-homem; um conceito que orientações

políticas nacionalistas ultrajaram descaradamente. Para

Nietzsche o super-homem é o homem liberto da prisão

das "verdades absolutas", defendidas por um pragmatismo

tendencioso. Aquele homem capaz de enxergar por trás

desas "verdades" a manifestação de poder e interesse de

quem as afirma. Nos deixou escritos cheios de humanismo.

Embora com críticas decisivas e às vezes impiedosas em

relação ao homem, também o defende apaixonadamente.

Se ele fosse colocado dentro da caverna de Sócrates, com

certeza seria aquele que determinadamente expulsaria

todos os seus habitantes da escuridão para à luz.


YEDRA

A POESIA

Poesia é a forma especial de linguagem, mais dirigida à

imaginação e à sensibilidade do que ao raciocínio.

Em vez de comunicar principalmente informações, a poesia

transmite sobretudo emoções. Ao longo do tempo, os poetas

e filósofos tentaram definir a poesia. Para o poeta espanhol

García Lorca, "Todas as coisas têm seu mistério, e a poesia

é o mistério que todas as coisas têm". O poeta francês Mallarmé,

defendendo uma outra concepção, afirmou que "a poesia se faz

com palavras, e não com idéias". E, segundo T. S. Eliot,

"aprendemos o que é poesia lendo poesia".

Para transmitir idéias e sensações, o poeta não se apóia unicamente

no significado exato das palavras e em suas relações dentro

da frase. Ele utiliza sobre tudo os valores sonoros e o poder

sugestivo dessas mesmas palavras combinadas entre si.

Mas a melodia de um poema não reside propriamente em sua

métrica. Ela resulta do uso que o poeta faz do esquema escolhido,

e da liberdade que ele se permitir. O poeta encontra sua forma

própria, mas não se torna escravo dela.

Além disso, o poeta faz uso daquilo que as palavras podem

sugerir ao leitor. Esse efeito sugestivo das palavras é obtido

através dos sons que elas têm e, sobretudo, das diversas

imagens, ou figuras de linguagem, que o autor for capaz de

criar. Em suma, a poesia resulta da combinação sensível e

inteligente de todos esses aspectos da linguagem.



YEDRA

ANDRÉ GIDE

Camarada, não aceites a vida tal qual a propõem os homens.

Não cesses de te persuadir que ela poderia ser mais bela,

a vida; a tua e a dos outros homens; não uma outra, futura,

que nos consolasse desta e nos ajudasse a aceitar sua

miséria. Não aceites. Quando começares a compreender que o

responsável por todos os males da vida não é Deus, que os

responsáveis são os homens, não te conformarás

mais com esses males.



André Gide

MILAN KUNDERA

Suponhamos que existisse no universo um planeta no qual

fosse possível nascer uma segunda vez. Ao mesmo tempo, nos

lembraríamos perfeitamente da vida que tínhamos na Terra; de

toda experiência que teríamos aqui adquirido.

Talvez existisse um planeta em que se nascesse uma terceira vez,

com a experiência de duas vidas já vividas.

E, talvez, um outro planeta e outros mais, em que a espécie humana

renasceria, subindo cada vez um degrau a mais (uma vida) na

escala do amadurecimento.

Nós, aqui na Terra (no planeta número um, no planeta da

inexperiência), podemos ter apenas uma idéia muito vaga daquilo

que acontece com o homem nos outros planetas. Teria ele mais

sabedoria? Estaria a maturidade a seu alcance? poderia atingí-la

através da repetição?

É só na perspectiva dessa utopia que as noções de otimismo e

pessimismo fazem sentido. O otimista acredita que a história humana

será menos sangrenta no planeta número cinco. O pessimista

é aquele que não acredita nisso.

A Insustentável leveza do ser - Milan Kundera

A CRÍTICA

Segundo Foucault, uma crítica não consiste em dizer

que as coisas não estão bem como estão. A crítica

consiste em ver sobre que tipos de evidências, de

familiaridades, de modos de pensamento adquiridos

e não refletidos, repousam as práticas que se aceitam.

Para ele, o essencial da vida humana e das relações é

o pensamento. E o pensamento é algo que pode se

ocultar, mas está lá. A crítica tem a função de detectar

o pensamento oculto nos comportamentos mais tolos

e nos hábitos mais imperceptíveis, e ensaiar a mudança.

Fazer a crítica é "desvendar portanto, o pensamento

atrás da ação e tornar difícil os gestos fáceis demais".

Nestas condições, a crítica é absolutamente indispensável

para toda transformação; pois uma transformação que

permaneça no mesmo modo de pensamento, que seria

apenas uma certa maneira melhor de ajustar o pensamento

à realidade das coisas, não passaria de uma transformação

superficial.

YEDRA

CLARICE LISPECTOR

Há um tipo de choro bom e há outro ruim.

O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e,

no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem.

Uma amiga perguntou-me, então, se não seria esse choro

como o de uma criança com a angústia da fome. Era. Quando

se está perto desse tipo de choro, é melhor procurar conter-se:

não vai adiantar. É melhor tentar fazer-se de forte, e enfrentar.

É difícil, mas ainda menos do que ir-se tornando exangue

a ponto de empalidecer.

Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que

respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de

uma tristeza legítima à qual temos direito. Elas correm devagar

e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado,

límpido, produto de nossa dor mais profunda.

Homem chorar comove. Ele, o lutador, reconheceu sua luta

às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora.

Eu já vi homem chorar.





Clarice Lispector

GUY DE MAUPASSANT

Existem duas raças na terra. Aqueles que necessitam

dos outros, a quem os outros distraem, entretêm,

repousam, a quem a solidão fadiga, esgota, aniquila,

tal como a ascensão ou a travessia do deserto, e

aqueles a quem os outros, ao contrário, cansam,

aborrecem, incomodam, estenuam, ao passo que

o isolamento os acalma, mergulhando-os no repouso,

na liberdade e na fantasia do seu próprio pensamento.

Trata-se apenas de um fenômeno psíquico normal.

Os primeiros são feitos para viver exteriormente, os

segundos para viver interiormente.



GUY DE MAUPASSANT

FERNANDO PESSOA

(...) Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.

Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.

Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;

E as plantas são plantas só, e não pensadores.

Tanto posso dizer que sou superior a elas por isso,

Como que sou inferior.

Mas não digo isso: digo da pedra, " é uma pedra",

Digo da planta, " é uma planta",

Digo de mim, " sou eu".

E não digo mais nada.

Que mais há a dizer?


(FERNANDO PESSOA)

ERICH FROMM

A história da Humanidade até o presente é primordialmente

a história do culto de ídolos, desde os primitivos, de barro

e madeira, até os modernos, representados pelo Estado,

o líder, a produção e o consumo.

O homem transfere para o ídolo suas paixões e qualidades.

Quanto mais empobrece, tanto maior e mais forte se torna

o ídolo. Este é a forma alienada da experiência que o homem

tem de si mesmo. Ao cultuar o ídolo, o homem cultua a si

mesmo. Identifcando-se com um aspecto parcial de si

mesmo, o homem limita-se a tal aspecto; perde sua

totalidade de ser humano e deixa de crescer.


ERICH FROMM

segunda-feira, 31 de março de 2008

DOMENICO DE MASI

Se nossos avós padeciam do tédio de dias sempre

iguais, nós vivemos a vertigem de instantes sempre

diversos, dilatados, acelerados, nos quais se orientam

somente aqueles que, dotados de sabedoria, sabem

viver com estilo, submetendo e sincronizando os

ritmos frenéticos do mundo aos próprios biorritmos.

Quem não possui essa sabedoria, quem não sabe criar

momentos de pausa é obrigado a longas fugas ilusórias,

em busca de alegrias passageiras.

Mas a felicidade consiste em buscá-la, e quem quer que

a busque, já está de alguma forma a caminho da sabedoria.



( Do Livro O Ócio Criativo - Domenico De Masi)

FILOSOFAR

A palavra filosofia nos remete a alguns preconceitos inevitáveis.

Sugere algo ultrapassado e de natureza enfadonha. Talvez isto

derive do fato de alguns filósofos serem incompreensíveis para

a maioria das pessoas. Mas filosofar é simplesmente fazer os

pensamentos se curvarem em torno de si mesmos, formando

círculos de associações que nos levam a meditar, refletir. Filosofar não

significa encontrar as respostas certas e contentar-se com elas.

Significa fazer sempre de novo as mesmas perguntas e buscar ouutras

respostas, aquelas que venham a nos satisfazer no contexto de vida

que vivemos. As perguntas sim, devem ser essenciais, mas as

respostas devem abranger inovações de idéias, mudança. Eu definiria

filosofia como a evolução constante das idéias, de modo que elas

acompanhassem a vida, que também abarca mudança contínua.


YEDRA

A VONTADE

Somos condicionados por nossa vontade. Schopenhauer

afirmava que a vontade já é a própria ação. É que sempre

estamos desejando coisas. O desejo não realizado gera

insatisfação. Enquanto o desejo satisfeito provoca indiferença.

Assim somos duplamente mobilizados, a ter desejos e a

buscar sua satisfação. Os mais ingênuos ou superficiais,

envolvidos por seus parcos sonhos imediatistas, passam a

vida neste movimento circular: busca - satisfação - insatisfação -

indiferença. Para efetuar escolhas dentro deste ciclo restrito

de visão, é suficiente o simples entendimento do processo

raso da vida. No entanto, se o nível de insatisfação é mais

profundo e os desejos ultrapassam os limites da mobilidade

trivial, é preciso buscar nossas forças latentes e adormecidas

para encontrar os caminhos que dêem maior sentido á vida.



YEDRA

MODERNISMO

Uma das características específicas do modernismo é a de

deixar as indagações humanas soltas e ecoando no nada.

Para Nietzsche e Marx, visionários do que seria os tempos

atuais, as forças da história moderna eram dialéticas e

irônicas: a começar pelo cristianismo que foi desestruturado

em seus dogmas, jogando o ser humano num caos de

ausência de valores, e diante de uma desconcertante

abundância de possibilidades, com as quais ele não

aprendeu a lidar. Mesmo para se tornar singular e dono

de uma identidade sólida, precisamos de leis próprias,

habilidades psicológicas, astúcia intelectual, e uma boa

dose de temeridade. Ninguém consegue andar em terreno

firme, confiando apenas nos próprios passos; sem um

"mapa" que delineie a orientação das intenções. Não

conseguimos dar um passo sozinhos; nossa auto-

suficiência é uma ilusão. Por isso que precisamos sempre

ser escoltados por idéias que expliquem o mundo e que

justifiquem a nossa realidade.

YEDRA

OS INIMIGOS

Quem tem inimigos sabe que eles não representam

apenas um abismo de idéias e sentimentos, que

anula qualquer possibilidade de afinidade. Um

inimigo inteligente nos provoca, nos desafia a

ponto de nos fazer "afiar" todo o nosso arsenal

de recursos mentais e psicológicos para tentar

consolidar nossa posição. Mas há um inimigo

quase invisível e que se esconde dentro de nós

mesmos; este inimigo instala o paradoxo de que

só podemos ser vencidos por nós mesmos -

"o EGO grita, a alma sussurra" - é essencial

portanto, para nossa sanidade e busca de

plenitude, que façamos a alma gritar em certas

batalhas para encobrir a voz exigente do EGO.

YEDRA

OBJETIVIDADE

Se vivemos com objetivos precisos a serem incansavelmente

perseguidos, acabamos por embotar as emoções. Os

estados de espírito constituem o que há me melhor na

vida. Quando não somos escoltados pela emoção, a

beleza da vida se perde. As coisas existem para nós

apenas quando nosso olhar paira sobre elas. E para

ver realmente uma coisa em sua essência é preciso

antes de mais nada destacar-lhe a beleza. Só os

sentidos podem despertar a alma e dar-lhe sua real

dimensão. E a alma retribui, curando os sentidos de

sua disposição superficial e prosaica. Como disse

Oscar Wilde: " nos arruinamos quando investimos de

maneira excessiva na prosa da vida, mas acabar

arruinado pela poesia da vida, é uma honra."

As pessoas presas à sua objetividade dominante

não conseguem expressar-se com desembaraçada

sensibilidade e com isso apenas assistem à vida,

como espectros superficiais e exteriores à sua

essência, carregando um lado semi-morto de si

mesmo, em lamentável estado de adormecimento.

YEDRA

OPINIÕES ALHEIAS

As opiniões que acolhemos a nosso respeito são

importantes. Para os inteligentes servem como meio

de reflexão e auto-conhecimento. Para os mais

intransigentes servem como crítica infundada e

oca. Portanto, o essencial é o que faremos com as

opiniões que ouvimos sobre nós.

Viktor Frankl criador da logoterapia - terapia baseada

na busca de sentido - propôs como caminho de

crescimento pessoal a quebra da visão pendular entre

auto-aceitação e a aceitação alheia; porque se

dependermos da aceitação alheia iremos sempre colher

frustrações e nossa personalidade será portanto

instável. Por outro lado, se ignorarmos a opinião alheia,

nos isolamos e criamos um tipo de comportamento à

beira da psicose, em que o "outro" não tem valor nem

vez. Diante disso, Frankl sugere a saída para este

dualismo: criar um movimento de ascensão, que

busca uma razão maior que justifique nossa vida e

que nos proporcione felicidade.

YEDRA

OLHAR O MUNDO

A característica essencial de uma pessoa amadurecida

e que construiu uma base sólida de idéias sábias e

pertinentes é a sua jovialidade: um traço marcante de

atualidade que consegue mantê-la à vontade num

mundo em constante mudança. Mesmo que se

recuse a ostentar o sorriso complacente e permanente

dos tolos, a pessoa madura atingiu o seu "tamanho" e

sabe o que é possível e o que não é. Yeats a definiria num

simples verso : "... seus velhos olhos brilhantes são

joviais..." - não existe imagem mais perfeita para

traduzir o modo conciliado da maturidade com a

juventude numa mesma pessoa.

YEDRA

ELOGIO DA SOMBRA

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.



JORGE LUIS BORGES

MARCEL PROUST

O amor não pára de preparar seu próprio desaparecimento,

de figurar sua ruptura. Assim é no amor como na morte.

Do mesmo modo que imaginamos estar ainda vivos para ver

cara que farão aqueles que nos perderam, também imaginamos

estar ainda suficientemente apaixonados para gozar a tristeza

daquele que mais amamos. É bem verdade que repetimos nossos

amores passados, mas é verdade que nosso amor atual, em toda

a sua vivacidade, "ensaia" o momento da ruptura ou antecipa

seu próprio fim. Nesse ensaio de um desfecho sofremos de

antemão, sem esquecer uma só, todas as dores de uma ruptura

que em outros momentos julgamos poder evitar.




MARCEL PROUST

VIVER O PARADOXO

Vivemos um paradoxo. A vida abre caminhos que levam

a lugar nenhum... o que alcança algum significado é

apenas o caminhar. A possibilidade de escolha se abre,

mas independente de qual seja, o fim da estrada é sempre

o mesmo. Mesmo que sigamos por caminhos alienantes,

distraídos de tudo, perdidos na superficialidade das

coisas, ou se por outro lado, optemos para obter um

esclarecimento contínuo, o fim do caminho é exatamente

o mesmo para todos: a mortalidade a esperar no horizonte.

Embora a alienação seja indissociada da estrutura

ideológica, ela não deve conduzir necessariamente à

descrença acentuada nos significados. Por isso a

escolha em direção à trilha do discernimento

expandido, nos faz ver que mesmo sendo o fim

inevitável, podemos chegar à linha do horizonte

final de forma produtiva: empenhados em refletir

e estar em estado de atenção para tudo aquilo

que se vive.

YEDRA

segunda-feira, 17 de março de 2008

A FILOSOFIA

A Filosofia, como qualquer outro produto da inteligência,

não pode nos mostrar idéias de modo direto, que se

traduzam numa compreensão imediata. Os filósofos, em

sua maioria, escreveram seus textos de forma rebuscada

e às vezes hermética, acompanhando o estilo de sua

época, e tinham necessidade de serem dogmáticos em

defesa de suas teorias. Por isso todo o contexto de

idéias filosóficas adquire um tom sério, e muitas vezes,

enigmático. Mas a Filosofia "não deve ser amarga", nem

merecedora de aversão como retórica inútil e ultrapassada.

Os pensadores quiseram organizar os conceitos que

explicassem o mundo, e através deles extraírem uma ética.

Porque precisamos entender o mundo primeiramente, para

aprendermos a viver nele. Mesmo os que nunca entraram

em contato com a Filosofia, deveriam estar conscientes de

que usam muitos conceitos filosóficos em sua vida cotidiana.

A Filosofia nasceu com a vida e nela permanece, como ação

reflexiva da realidade.

YEDRA

HANNAH ARENDT

A suposição de que a identidade de uma pessoa

transcende, em grandeza e importância, tudo o

que ela possa fazer ou produzir é um elemento

indispensável da dignidade humana. Só os

vulgares consentirão em atribuir a sua dignidade

ao que fizeram, em virtude dessa condescendência

serão escravos e prisioneiros das sua próprias

capacidades e descobrirão caso lhes reste algo

mais que mera vaidade, que ser escravo e

prisioneiro de si mesmo é tão ou mais amargo e

humilhante que ser escravo de outrem.


(HANNAH ARENDT)

SOBRE NIETZSCHE

" A grandeza de um artista não se mede pelos "bons

sentimentos" que ele suscita, mas reside no "grande

estilo", quer dizer, na capacidade de "se tornar" senhor

do caos interior; em forçar seu próprio caos a assumir

forma; agir de modo lógico, simples, categórico, tornar-se

lei, eis a grande ambição."

(NIETZSCHE)



Neste texto de Nietzsche pode sutilmente

ser extraído um esboço ético, embora seja difícil encontrar

uma moral, no sentido ético, em Nietzsche. Este conceito

de "grande estilo" se aproxima de um contexto ético, no

sentido de sugerir uma forma de conduta eficiente. Virtude

ou grandeza seria essa capacidade de conciliar as forças

dentro de nosso interior, de modo a ser uma pessoa que age

racionalmente, mas que também sabe usar a sensibilidade.

O ser completo ideal. Isso seria aos olhos de Nietzsche, um

ideal aceitável ( embora ele odeie esta palavra), porque

não é como todos os demais ideais exteriores à vida, imposto

por autoridades seculares.

Quem comete o erro de ver em Nietzsche um anarquista

insano, é incapaz de enxergar o grau de seu humanismo,

capaz de elevar o homem na altura de suas capacidades.

Cabe ao homem fazer de si mesmo um todo tão harmonioso,

que embora em extremos opostos, a razão e a sensibilidade

possam estar em harmonia dentro dele.

YEDRA

E.M.CIORAN

Todos os dias necessito minha ração de dúvida. Me alimenta, literalmente.

Nunca houve um ceticismo mais orgânico. E, sem dúvida, todas as minhas

reações são as de um histérico. Dá-me dúvidas e mais dúvidas.

São - mais que meu alimento - minha droga. Não posso prescindir delas.

Estou intoxicado com elas para toda a vida. De modo que quando encontro

uma, a que seja, me precipito sobre ela, a devoro, a incorporo na minha

substância. Pois minha capacidade para assimilá-las - as dúvidas -

é ilimitada; as digiro todas, são minha substância e minha razão de ser.

Não posso imaginar-me sem elas. Dá-me dúvidas, mais e mais dúvidas.



E. M. Cioran

SIMPLICIDADE

Simplicidade é a vida sem frases e sem mentiras, sem exagero

e sem ênfases. É viver a vida como se respira, sem esforços

desmedidos, sem perseguir glórias. Simples é a vida sem

grandes efeitos e sem grandes amarguras. Ser simples é

se aceitar e se recusar, sem louvor e sem desprezo.

Simplicidade é despojamento: colher o que acontece, sem

nada guardar de seu. Ser dono de tudo e de nada.

Simplicidade é estar de posse da liberdade de mudar

juntamente com a implacável decisão dos fatos. É ter

leveza e transparência para se mover dentro da complexa

realidade como quem dança uma melodia carregada de

harmonia.

YEDRA

HENRY MILLER

Em um sentido profundo adiamos a ação para sempre.

Paqueramos o destino e arrulhamo-nos com mitos para

nos adormecer. Morremos com os sofrimentos de nossas

próprias lendas trágicas como aranhas presas em suas teias.

Se há algo que merece ser chamado "obsceno" é esse

confronto fugaz e de relance com os mistérios, esse andar

até a borda do abismo, gozando de todos os êxtases da

vertigem, mas relutando em ceder ao feitiço do desconhecido.

O obsceno possui todas as propriedades da zona oculta.

É tão vasto quanto o próprio inconsciente, e tão amorfo e

fluído como a substância mesma do inconsciente. É o que

vem à tona como algo estranho, embriagado e proibido e que,

portanto, paralisa e seduz quando, tal como Narciso, observa

a nossa imagem diante do espelho da nossa própria

iniqüidade. É bem conhecido por todos e ao mesmo tempo

menosprezadoe rejeitado, razão pela qual aflora sem cessar

com máscaras proteiformes, nos momentos menos esperados.

Quando é reconhecido e aceito, quer como produto da

imaginação, quer como parte integrante da realidade humana,

inspira o mesmo horror e aversão que poderia produzir o

lótus florido que submerge suas raízes no rio que lhe

deu origem.



HENRY MILLER

O PENSAR

Pensamos subjetivamente quando nosso ponto de

referência está dentro de nós mesmos; quando nosso

pensamento é dirigido para a expressão de sentimentos,

sensações, desejos e necessidades. Para pensar

objetivamente, o ponto de referência deve deslocar-se

para fora de nós e a compreensão das conexões de

causa e efeito, assim como as relações entre os fatos

não devem ser influenciadas por nossos sentimentos

e desejos pessoais. Os atos são visíveis, enquanto

sentimentos são eventos internos e particulares.

Sentimentos não se comprovam objetivamente e, sendo

assim, não ocupam lugar no pensamento objetivo. Por

isso as palavras nunca conseguirão descrever todos

os graus de emoção que um ser humano é capaz

de experimentar.

YEDRA

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O TEMPO

Viver preso ao passado pode ser uma forma

dolorosa de povoar o presente de rancores e

mágoas. Assim como instalar-se idilicamente no

futuro, é viver sobre hipóteses provavelmente

irrealizáveis. Então por quê não aprendemos a

viver no presente? Talvez porque viver no presente

exija concentração e somos dispersivos. Ou talvez

porque para viver o presente teríamos que ser

racionais e práticos, e somos afetivos e nostálgicos.

O presente nos intimida porque temos que ser

rápidos, temos que efetuar escolhas, apostar,

correr riscos... O que se viveu pode nos ajudar,

como também pode nos confundir nas decisões

presentes. O futuro não existe como tempo: não

passa de um ponto de interrogação contemplando

as reticências do passado. Quem sabe não seja por

causa de tudo isso que não saibamos viver com

alegria o tempo presente... O presente é o tempo

definitivo, onde se realizam as escolhas, que serão

ao mesmo tempo passado e futuro. O presente é

a nossa tragédia.

YEDRA

A LEITURA

Por que a leitura é importante? Porque ela dilata

nosso poder de imaginar, nos ajuda a criar meios de

expressar o que sentimos. O que a leitura nos oferece?

Nos oferece intimidade: percebemos o mundo sob a

perspectiva de uma outra pessoa. Por que ler os clássicos?

Porque eles são os portadores de conceitos eternos, que se

encaixam perfeitamente em nosso vivência diária. E por que

então a negligência com a leitura? Porque a linguagem escrita

perdeu seu espaço para a linguagem oral e as imagens. Vivemos

hoje sob o domínio das imagens; elas exercem grande atração

sobre o cérebro: prendem a atenção. O atrativo das imagens e a

leitura " competem" num mesmo espaço : a imaginação. Por isso

quem não satisfaz sua necessidade de fantasia com os livros, antes

de entregar-se ao apelo das imagens, nunca desenvolverá um

hábito de leitura forte.

YEDRA

D. QUIXOTE

Em Dom Quixote, famoso romance de Miguel

de Cervantes, vemos o retrato de uma amizade

incomum. Dois parceiros se unem com objetivos

diferentes. Dom Quixote busca a fama, enquanto

seu leal escudeiro Sancho Pança, o segue em vista

de recompensas materiais. Do contraste entre razão

e loucura, e das muitas aventuras pelas quais

passaram, vão sendo mostrados valores como

justiça, lealdade, amizade, amor, coragem e

busca de reconhecimento. Talvez seja este conteúdo

ético-humano, o que torna o romance sempre atual.

A aventura de Dom Quixote é uma grande metáfora:

a fantasia que se sobrepõe à realidade e permite

que o personagem sobreviva à aridez de uma vida

sem grandes atrativos, a fama buscada para superação

da morte e a evidência de que o ser humano tende a

acreditar naquilo que quer. Assim como o herói é duplo:

apresentando momentos de sensatez e loucura, em

certas passagens até mesmo os personagens "lúcidos"

são seduzidos pelos devaneios do herói, participando

da sua loucura e se divertindo com ela.


YEDRA

CLARICE LISPECTOR

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.


Clarice Lispector

TRISTAN TZARA

Pegue um jornal.

Pegue a tesoura.

Escolha no jornal um artigo do tamanho

que você deseja dar a seu poema.

Recorte o artigo.

Recorte em seguida com atenção algumas palavras

que formam esse artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Tire em seguida cada pedaço um após o outro.

Copie conscienciosamente na ordem em que elas

são tiradas do saco.

O poema se parecerá com você.

E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma

sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.




( TRISTAN TZARA )

MUNDO VIRTUAL

" A ciência dos futuros é a que distingue os

deuses dos homens - donde vem, sem dúvida,

aos homens, aquele antigo desejo de serem

como deuses!"

(PLATÃO)

A vontade de brincarmos de deuses, nos levou a criar

o mundo virtual. O único perigo é acreditarmos na

brincadeira. O mundo virtual deve evoluir e servir ao

homem, mas não pode ameaçá-lo. O virtual é um

mundo transitório, onde procuramos conteúdos para

melhorar a vida real. Quando ele se torna um mundo

permanente, ficamos doentes. E a patologia está em

não perceber essa relação e passar a viver mais lá

do que cá.


(EDUARDO MUSSAK)

FRANCIS PONGE

A PAISAGEM


O horizonte, sobrelinhado com acentos vaporosos,

parece escrito em pequenos caracteres, com tinta

mais ou menos pálida segundo os jogos de luz.


Do que está mais próximo, não usufruo mais

do que como de um quadro,


Do que está ainda mais próximo, do que como

de esculturas, ou arquiteturas,


A seguir, da própria realidade das coisas a meus pés,

como de alimentos, com uma sensação de verdadeira indigestão,


Até que finalmente em meu corpo tudo se engolfa e levanta vôo

pela cabeça, como que por chaminé que

desembocasse em pleno céu.




FRANCIS PONGE

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O AMOR

Todo amor é amor a alguma coisa, que se deseja e que

nos falta. O amor não é completude, mas incompletude.

Não fusão, mas busca. O amor é desejo, e desejo é falta.

Mas só há desejo se a falta é percebida. E só há amor se

o desejo se polariza sobre determinado objeto. Comer

porque se tem fome é uma coisa, gostar do que se come,

ou comer do que se gosta, é outra coisa. Desejar uma

mulher, qualquer uma, é uma coisa. Desejar " esta mulher",

é outra. Estaríamos apaixonados, no entanto, se desejássemos,

de uma maneira ou de outra, aquele ou aquela que amamos?

Sem dúvida não. Se nem todo desejo é amor, todo amor é

desejo.


(ANDRÉ COMTE SPONVILLE)

JÚLIO CORTÁZAR

Amo-te por cada pestana, cabelo, debato-me contigo em corredores
branquíssimos de onde nascem fontes de luz,
luto contigo em cada nome, arranco-te com delicadeza de cicatriz,
vou colocando em teus cabelos cinzas de relâmpago
e espigas que dormiam à chuva.
Não quero que tenhas uma forma, antes que sejas
precisamente o que vem por detrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo suas luzes a metade do seu encontro.
Todas as manhãs são o quadro onde te invento, desenho,
e te apago, assim não és, nem
com esse cabelo caído, esse sorriso.
Procuro-te na tua totalidade, no copo onde o vinho
é também lua e espelho,
procuro esse limite que faz vibrar um homem
numa galeria de museu.
E quero-te, e faz tempo e frio.


Julio Cortázar

DESISTIR

Há duas espécies de "desistir" ou de "largar". Há o desistir de apegos
e há o desistir em razão de dificuldades e decepções.
A pessoa que tem força e abertura interiores não "desiste" - mas larga
as ambições e os apegos; por conseguinte, ganha liberdade e confiança.
Porque não tem apego a uma certa maneira de ser, mas segue a verdade
dentro do seu coração, nenhum obstáculo ou decepção pode vencê-la.
A pessoa que desiste por que não pode controlar sua vida nem guiar-se
por si mesma não desiste totalmente; mantém certa determinação de
continuar, mas não tem a força ou a coragem de seguir suas inclinações
- limita-se a submeter-se ao que quer que esteja acontecendo.
Como não é capaz de largar suas ambições e emoções negativas,
não está claro para ela qual é o caminho certo e qual o caminho errado
- e portanto ela sofre na indecisão. Embora necessariamente não sinta
dor física, ela passa por um sofrimento psicológico - a dor de não ser capaz
de apreender o que deseja. O desejo por sensação a domina, e ela está
dividida dentro de si mesma.


Tarthang Tulku

PABLO NERUDA

E então as revolvo, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as,
liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como
pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar,
ou porque outra se sentou como
um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, mas que lhe
obedeceu… Elas têm sombra, transparência, peso, pernas, pêlos,
têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de
tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes… São antiquíssimas
e recentíssimas… Vivem no féretro escondido e na flor que desponta…
Que bom idioma o meu, que boa língua herdámos dos torvos
conquistadores… Andavam a passo largo pelas tremendas cordilheiras,
pelas Américas encrespadas, em busca de batatas, chouriços,
feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele voraz
apetite que nunca mais se viu no mundo…
Tudo engoliam, juntamente com as religiões, pirâmides, tribos,
idolatrias iguais às que traziam nas grandes bolsas… Por onde
passavam ficava arrasada a terra… Mas aos bárbaros caíam das
botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas,
as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes… o idioma.
Ficámos a perder… Ficámos a ganhar… Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro… Levaram tudo e deixaram-nos tudo…
Deixaram-nos as palavras.


Neruda, Pablo, Confesso Que Vivi

MILAN KUNDERA

O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele,

nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os

séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo

masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo

tempo a imagem da mais intensa realização vital.

Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está

nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.

Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser

humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe,

se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se

torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres

quanto insignificantes.

Então, o que escolher? O peso ou a leveza?


( Milan Kundera, A insustentável leveza do ser )

ORIENTAÇÕES

Não importa a filosofia que se adote, ou a

religião que nos ampara. O que importa é

que haja uma orientação eficiente, que nos

transmita coragem e segurança. Não importa

que nos resignemos a muitas coisas que se

chocam como nossas expectativas. Nem

importa que a gente se esconda vez ou outra

de nós mesmos. O que importa é tentar ser

feliz sempre, e nunca fugir da vida. É preciso

olhar a vida de frente e com atenção, para

que tudo seja significativo.

YEDRA

CARLOS NEJAR

Tudo está acontecendo, mesmo quando nada

acontece. Assim, o que vai acontecer já está

no acontecido. E medra devagar...

O grito já vem vindo antes da dor. E o vento

vem vindo antes do vento, com um rumor que

a noite sequer percebe. A queda de uma árvore

pode ser o começo da queda de uma floresta.

E o fim das florestas pode ser o fim das estações.

E tudo está acontecendo, mesmo quando deixou

de acontecer. A imobilidade é quando até o

tempo é um paquiderme que não tem mais

força para se erguer.


Carlos Nejar

ATITUDES

Se por um lado, as atitudes extremas provocam entusiasmo,

são indícios de vigor e coragem, por outro, as atitudes

equilibradas são em geral incômodas e quase nunca

parecem heróicas. Frequentemente é preciso bastante

coragem e esforço para manter-se em equilíbrio, mas

não se pode evitar que aos outros isso pareça uma

demonstração de covardia. O equilíbrio é tedioso, ainda

por cima. E o tédio, hoje em dia, é uma grande desvantagem

que a maioria das pessoas não perdoa.

YEDRA

GOETHE

Todas as relações entre as coisas são verdadeiras.

O erro está apenas em nós. Não há nada verdadeiro

no homem senão o fato de ele errar e não conseguir

encontrar sua relação consigo mesmo, com os

outros e com as coisas.

Se não nos sentíssemos comprometidos na repetição

do que é falso só porque nos habituamos a

afirmá-lo, seríamos capazes de ser outra pessoa

totalmente diferente.


GOETHE