EVELYN DE MORGAN

EVELYN DE MORGAN

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O TEMPO

Viver preso ao passado pode ser uma forma

dolorosa de povoar o presente de rancores e

mágoas. Assim como instalar-se idilicamente no

futuro, é viver sobre hipóteses provavelmente

irrealizáveis. Então por quê não aprendemos a

viver no presente? Talvez porque viver no presente

exija concentração e somos dispersivos. Ou talvez

porque para viver o presente teríamos que ser

racionais e práticos, e somos afetivos e nostálgicos.

O presente nos intimida porque temos que ser

rápidos, temos que efetuar escolhas, apostar,

correr riscos... O que se viveu pode nos ajudar,

como também pode nos confundir nas decisões

presentes. O futuro não existe como tempo: não

passa de um ponto de interrogação contemplando

as reticências do passado. Quem sabe não seja por

causa de tudo isso que não saibamos viver com

alegria o tempo presente... O presente é o tempo

definitivo, onde se realizam as escolhas, que serão

ao mesmo tempo passado e futuro. O presente é

a nossa tragédia.

YEDRA

A LEITURA

Por que a leitura é importante? Porque ela dilata

nosso poder de imaginar, nos ajuda a criar meios de

expressar o que sentimos. O que a leitura nos oferece?

Nos oferece intimidade: percebemos o mundo sob a

perspectiva de uma outra pessoa. Por que ler os clássicos?

Porque eles são os portadores de conceitos eternos, que se

encaixam perfeitamente em nosso vivência diária. E por que

então a negligência com a leitura? Porque a linguagem escrita

perdeu seu espaço para a linguagem oral e as imagens. Vivemos

hoje sob o domínio das imagens; elas exercem grande atração

sobre o cérebro: prendem a atenção. O atrativo das imagens e a

leitura " competem" num mesmo espaço : a imaginação. Por isso

quem não satisfaz sua necessidade de fantasia com os livros, antes

de entregar-se ao apelo das imagens, nunca desenvolverá um

hábito de leitura forte.

YEDRA

D. QUIXOTE

Em Dom Quixote, famoso romance de Miguel

de Cervantes, vemos o retrato de uma amizade

incomum. Dois parceiros se unem com objetivos

diferentes. Dom Quixote busca a fama, enquanto

seu leal escudeiro Sancho Pança, o segue em vista

de recompensas materiais. Do contraste entre razão

e loucura, e das muitas aventuras pelas quais

passaram, vão sendo mostrados valores como

justiça, lealdade, amizade, amor, coragem e

busca de reconhecimento. Talvez seja este conteúdo

ético-humano, o que torna o romance sempre atual.

A aventura de Dom Quixote é uma grande metáfora:

a fantasia que se sobrepõe à realidade e permite

que o personagem sobreviva à aridez de uma vida

sem grandes atrativos, a fama buscada para superação

da morte e a evidência de que o ser humano tende a

acreditar naquilo que quer. Assim como o herói é duplo:

apresentando momentos de sensatez e loucura, em

certas passagens até mesmo os personagens "lúcidos"

são seduzidos pelos devaneios do herói, participando

da sua loucura e se divertindo com ela.


YEDRA

CLARICE LISPECTOR

O que me tranqüiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.


Clarice Lispector

TRISTAN TZARA

Pegue um jornal.

Pegue a tesoura.

Escolha no jornal um artigo do tamanho

que você deseja dar a seu poema.

Recorte o artigo.

Recorte em seguida com atenção algumas palavras

que formam esse artigo e meta-as num saco.

Agite suavemente.

Tire em seguida cada pedaço um após o outro.

Copie conscienciosamente na ordem em que elas

são tiradas do saco.

O poema se parecerá com você.

E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma

sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.




( TRISTAN TZARA )

MUNDO VIRTUAL

" A ciência dos futuros é a que distingue os

deuses dos homens - donde vem, sem dúvida,

aos homens, aquele antigo desejo de serem

como deuses!"

(PLATÃO)

A vontade de brincarmos de deuses, nos levou a criar

o mundo virtual. O único perigo é acreditarmos na

brincadeira. O mundo virtual deve evoluir e servir ao

homem, mas não pode ameaçá-lo. O virtual é um

mundo transitório, onde procuramos conteúdos para

melhorar a vida real. Quando ele se torna um mundo

permanente, ficamos doentes. E a patologia está em

não perceber essa relação e passar a viver mais lá

do que cá.


(EDUARDO MUSSAK)

FRANCIS PONGE

A PAISAGEM


O horizonte, sobrelinhado com acentos vaporosos,

parece escrito em pequenos caracteres, com tinta

mais ou menos pálida segundo os jogos de luz.


Do que está mais próximo, não usufruo mais

do que como de um quadro,


Do que está ainda mais próximo, do que como

de esculturas, ou arquiteturas,


A seguir, da própria realidade das coisas a meus pés,

como de alimentos, com uma sensação de verdadeira indigestão,


Até que finalmente em meu corpo tudo se engolfa e levanta vôo

pela cabeça, como que por chaminé que

desembocasse em pleno céu.




FRANCIS PONGE