EVELYN DE MORGAN

EVELYN DE MORGAN

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

O AMOR

Todo amor é amor a alguma coisa, que se deseja e que

nos falta. O amor não é completude, mas incompletude.

Não fusão, mas busca. O amor é desejo, e desejo é falta.

Mas só há desejo se a falta é percebida. E só há amor se

o desejo se polariza sobre determinado objeto. Comer

porque se tem fome é uma coisa, gostar do que se come,

ou comer do que se gosta, é outra coisa. Desejar uma

mulher, qualquer uma, é uma coisa. Desejar " esta mulher",

é outra. Estaríamos apaixonados, no entanto, se desejássemos,

de uma maneira ou de outra, aquele ou aquela que amamos?

Sem dúvida não. Se nem todo desejo é amor, todo amor é

desejo.


(ANDRÉ COMTE SPONVILLE)

JÚLIO CORTÁZAR

Amo-te por cada pestana, cabelo, debato-me contigo em corredores
branquíssimos de onde nascem fontes de luz,
luto contigo em cada nome, arranco-te com delicadeza de cicatriz,
vou colocando em teus cabelos cinzas de relâmpago
e espigas que dormiam à chuva.
Não quero que tenhas uma forma, antes que sejas
precisamente o que vem por detrás da tua mão,
porque a água, considera a água, e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada,
acendendo suas luzes a metade do seu encontro.
Todas as manhãs são o quadro onde te invento, desenho,
e te apago, assim não és, nem
com esse cabelo caído, esse sorriso.
Procuro-te na tua totalidade, no copo onde o vinho
é também lua e espelho,
procuro esse limite que faz vibrar um homem
numa galeria de museu.
E quero-te, e faz tempo e frio.


Julio Cortázar

DESISTIR

Há duas espécies de "desistir" ou de "largar". Há o desistir de apegos
e há o desistir em razão de dificuldades e decepções.
A pessoa que tem força e abertura interiores não "desiste" - mas larga
as ambições e os apegos; por conseguinte, ganha liberdade e confiança.
Porque não tem apego a uma certa maneira de ser, mas segue a verdade
dentro do seu coração, nenhum obstáculo ou decepção pode vencê-la.
A pessoa que desiste por que não pode controlar sua vida nem guiar-se
por si mesma não desiste totalmente; mantém certa determinação de
continuar, mas não tem a força ou a coragem de seguir suas inclinações
- limita-se a submeter-se ao que quer que esteja acontecendo.
Como não é capaz de largar suas ambições e emoções negativas,
não está claro para ela qual é o caminho certo e qual o caminho errado
- e portanto ela sofre na indecisão. Embora necessariamente não sinta
dor física, ela passa por um sofrimento psicológico - a dor de não ser capaz
de apreender o que deseja. O desejo por sensação a domina, e ela está
dividida dentro de si mesma.


Tarthang Tulku

PABLO NERUDA

E então as revolvo, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as,
liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como
pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar,
ou porque outra se sentou como
um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, mas que lhe
obedeceu… Elas têm sombra, transparência, peso, pernas, pêlos,
têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de
tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes… São antiquíssimas
e recentíssimas… Vivem no féretro escondido e na flor que desponta…
Que bom idioma o meu, que boa língua herdámos dos torvos
conquistadores… Andavam a passo largo pelas tremendas cordilheiras,
pelas Américas encrespadas, em busca de batatas, chouriços,
feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele voraz
apetite que nunca mais se viu no mundo…
Tudo engoliam, juntamente com as religiões, pirâmides, tribos,
idolatrias iguais às que traziam nas grandes bolsas… Por onde
passavam ficava arrasada a terra… Mas aos bárbaros caíam das
botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas,
as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes… o idioma.
Ficámos a perder… Ficámos a ganhar… Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro… Levaram tudo e deixaram-nos tudo…
Deixaram-nos as palavras.


Neruda, Pablo, Confesso Que Vivi

MILAN KUNDERA

O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele,

nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os

séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo

masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo

tempo a imagem da mais intensa realização vital.

Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está

nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.

Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser

humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe,

se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se

torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres

quanto insignificantes.

Então, o que escolher? O peso ou a leveza?


( Milan Kundera, A insustentável leveza do ser )

ORIENTAÇÕES

Não importa a filosofia que se adote, ou a

religião que nos ampara. O que importa é

que haja uma orientação eficiente, que nos

transmita coragem e segurança. Não importa

que nos resignemos a muitas coisas que se

chocam como nossas expectativas. Nem

importa que a gente se esconda vez ou outra

de nós mesmos. O que importa é tentar ser

feliz sempre, e nunca fugir da vida. É preciso

olhar a vida de frente e com atenção, para

que tudo seja significativo.

YEDRA

CARLOS NEJAR

Tudo está acontecendo, mesmo quando nada

acontece. Assim, o que vai acontecer já está

no acontecido. E medra devagar...

O grito já vem vindo antes da dor. E o vento

vem vindo antes do vento, com um rumor que

a noite sequer percebe. A queda de uma árvore

pode ser o começo da queda de uma floresta.

E o fim das florestas pode ser o fim das estações.

E tudo está acontecendo, mesmo quando deixou

de acontecer. A imobilidade é quando até o

tempo é um paquiderme que não tem mais

força para se erguer.


Carlos Nejar

ATITUDES

Se por um lado, as atitudes extremas provocam entusiasmo,

são indícios de vigor e coragem, por outro, as atitudes

equilibradas são em geral incômodas e quase nunca

parecem heróicas. Frequentemente é preciso bastante

coragem e esforço para manter-se em equilíbrio, mas

não se pode evitar que aos outros isso pareça uma

demonstração de covardia. O equilíbrio é tedioso, ainda

por cima. E o tédio, hoje em dia, é uma grande desvantagem

que a maioria das pessoas não perdoa.

YEDRA

GOETHE

Todas as relações entre as coisas são verdadeiras.

O erro está apenas em nós. Não há nada verdadeiro

no homem senão o fato de ele errar e não conseguir

encontrar sua relação consigo mesmo, com os

outros e com as coisas.

Se não nos sentíssemos comprometidos na repetição

do que é falso só porque nos habituamos a

afirmá-lo, seríamos capazes de ser outra pessoa

totalmente diferente.


GOETHE