E então as revolvo, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as,
liberto-as… Deixo-as como estalactites no meu poema, como
pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas… Tudo está na palavra… Uma ideia inteira altera-se porque uma palavra mudou de lugar,
ou porque outra se sentou como
um reizinho dentro de uma frase que não a esperava, mas que lhe
obedeceu… Elas têm sombra, transparência, peso, pernas, pêlos,
têm de tudo quanto se lhes foi agregando de tanto rolar pelo rio, de
tanto transmigrar de pátria, de tanto serem raízes… São antiquíssimas
e recentíssimas… Vivem no féretro escondido e na flor que desponta…
Que bom idioma o meu, que boa língua herdámos dos torvos
conquistadores… Andavam a passo largo pelas tremendas cordilheiras,
pelas Américas encrespadas, em busca de batatas, chouriços,
feijões, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele voraz
apetite que nunca mais se viu no mundo…
Tudo engoliam, juntamente com as religiões, pirâmides, tribos,
idolatrias iguais às que traziam nas grandes bolsas… Por onde
passavam ficava arrasada a terra… Mas aos bárbaros caíam das
botas, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas,
as palavras luminosas que ficaram aqui, resplandecentes… o idioma.
Ficámos a perder… Ficámos a ganhar… Levaram o ouro e deixaram-nos o ouro… Levaram tudo e deixaram-nos tudo…
Deixaram-nos as palavras.
Neruda, Pablo, Confesso Que Vivi
EVELYN DE MORGAN
terça-feira, 15 de janeiro de 2008
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