EVELYN DE MORGAN

EVELYN DE MORGAN

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

MARINA COLASANTI

Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.

(...)
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai
afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma
revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta
na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés
e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro,
a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer,
a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque
tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se
ralar na aspereza, para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para
esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto

acostumar, se perde de si mesma.


(MARINA COLASANTI)

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